Casal que mantinha doméstica em condições análogas à escravidão tem bens bloqueados pela Justiça

Mulher de 54 anos mantida em situação degradante e submetida à jornada exaustiva e maus-tratos foi resgatada nos primeiros dias de fevereiro em Campo Bom. Caso está sendo discutido em Ação Civil Pública.

 O Ministério Público do Trabalho no Rio Grande do Sul obteve na Justiça bloqueio parcial de bens e valores monetários dos integrantes de uma família que mantinha há mais de 40 anos em sua residência em Campo Bom uma mulher de 54 anos em situação análoga à escravidão. A trabalhadora foi resgatada nos primeiros dias de fevereiro em uma operação conjunta realizada por auditores-Fiscais do Trabalho da Superintendência Regional do Trabalho no Rio Grande do Sul, pelo Ministério Público do Trabalho, pela Polícia Rodoviária Federal e pela Secretaria de Assistência Social. A ação foi ajuizada na 3ª Vara do Trabalho de Sapiranga, com um pedido de tutela antecipatória, e é assinada pela procuradora do MPT-RS Amanda Fernandes Ferreira Broecker.

     Na ação, o MPT-RS calcula em R$ 833.432,28 o valor devido pelos empregadores à resgatada. O montante é referente a 40 anos de realização de trabalhos domésticos sem a devida remuneração.


     A ação solicitou, em caráter de tutela provisória de urgência antecipada, o arresto do bem imóvel, bem como a indisponibilidade de todos os bens móveis e imóveis, veículos e ativos depositados junto a instituições financeiras em nome dos empregadores para fins de garantir o pagamento das verbas trabalhistas e indenizações por dano moral individual, existencial e coletivo. A juíza do trabalho titular da 3ª Vara do Trabalho de Sapiranga, Adriana Freires, que apreciou o pedido de tutela, aceitou o pedido parcialmente, determinando a inclusão de restrições ao patrimônio dos réus, além do bloqueio de valores financeiros nas contas dos réus que ultrapassem R$ 3 mil.

     Outro pedido feito na ação é do pagamento de uma pensão mensal no valor de um salário-mínimo à doméstica resgatada. Foi pedida, ainda, a condenação dos empregadores ao cumprimento de obrigações de fazer e não fazer relativas à contratação regular de trabalhador doméstico, com registro em CTPS; observância dos limites constitucionais e legais de duração normal da jornada de trabalho do empregado doméstico; concessão de férias; pagamento de salário e do décimo-terceiro salário, assim como o depósito do FGTS, entre outras medidas. A ação pede também a penalização com multa na hipótese de qualquer infringência às obrigações solicitadas. A juíza decidiu apreciar esse pedido após o prazo para apresentação de defesa dos réus. A primeira audiência do caso está marcada para o dia 8/6.

     Por fim, o MPT requereu o pagamento de indenização por dano existencial e dano moral individual em valor não inferior a R$ 400 mil e outra por dano moral coletivo devido à sociedade em valor não inferior a R$ 200 mil. A ACP também pede o registro do período integral do vínculo entre a resgatada e os empregadores em CTPS, com a respectiva baixa na data do resgate.

Foto: Auditoria Fiscal do Trabalho/Divulgação

O RESGATE

     O caso teve início após denúncia realizada em novembro de 2021. Após investigação realizada pela assistência social do município e pelos auditores-fiscais do trabalho, foi autorizada pela juíza titular do Trabalho Adriana Freires uma operação de fiscalização na residência, na qual o resgate foi realizado. Pelo MPT-RS, a operação foi acompanhada pelo procurador Lucas Santos Fernandes, coordenador regional da Coordenadoria Nacional de Erradicação do Trabalho Escravo e Enfrentamento ao Tráfico de Pessoas (Conaete).


     Foi resgatada uma mulher de 54 anos, com deficiência intelectual, que residia e trabalhava como doméstica desde a infância na casa, sem vínculo de emprego reconhecido durante a maior parte desse tempo. Após o resgate, a mulher relatou que realizava as atividades de manutenção doméstica da residência numa jornada de trabalho sem limitação de tempo diário ou semanal. Ela também contou que era impedida de sair da residência sozinha e/ou sem autorização da empregadora, e de conversar ou se relacionar com pessoas estranhas ao núcleo familiar da empregadora, que mantinha os documentos da mulher em sua posse. Além disso, a resgatada também disse sofrer tratamento desumano e agressões físicas e morais. Depoimentos de vizinhos dos empregadores corroboraram a situação exposta pela empregada.

     De acordo com a Superintendência Regional do Trabalho no Rio Grande do Sul, foi o primeiro caso registrado no Rio Grande do Sul de resgate de uma pessoa mantida em condições análogas à escravidão em trabalho doméstico.
Após o resgate, ao longo de duas audiências, o MPT-RS propôs à família empregadora a assinatura de um Termo de Ajuste de Conduta, proposta sempre rechaçada porque os empregadores alegam não existir vínculo empregatício entre eles e a resgatada.