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É menos do que mereço, mas, ainda assim, obrigado

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Há fatos imutáveis. Por exemplo, se você for a Florianópolis em janeiro, ficará preso constantemente no trânsito. E não estou me referindo a pequenos percursos de freia, acelera, freia, acelera. Estou falando de horas parado, de submeter-se à rotina, de ver o percurso que levaria 20 minutos ter que ser feito em duas horas. Ok, então vamos à pergunta: por que, sabendo desse fato, as pessoas seguem todos os anos indo a Florianópolis? Disse-me um senhor: “é a única época que consigo conciliar a folga da esposa e filhos na escola”. Perguntei, então, se compensava reunir a família dentro de um carro parado e ele me deu uma resposta simples: “nós já nos acostumamos a tirar férias na ilha”.

“Estamos acostumados”. Certamente essa frase também faz parte da sua vida. Você já se acostumou com o emprego que detesta, se acostumou com a presença de pessoas que não lhe fazem nenhum bem, se acostumou com a vista de sua janela que não dá para lugar nenhum. Viver sem horizontes, sob o céu cinza, esperando algo que nunca chega ou que chega pela metade, com gosto de menos do que você merece.

Alguém pode justificar “o que são algumas horas de trânsito parado quando se está tão perto de um objetivo maior?”. Sim, eis uma de nossas mais notáveis qualidades: adaptação. É incrível como desenvolvemos uma segurança mesmo diante do que deveria ser visto como caótico.

Conheço pessoas assim o tempo todo. Aliás, elas são maioria. Vivem infelizes com algo, mas se perdessem aquilo seria como se perdessem o chão. Acostumaram-se a tal ponto que não conseguem mais se ver de outra forma.

Não é à toa que adotamos um lado preferido na cama, um lugar na mesa e no sofá. Não é por nada que temperamos a salada do jeito que temperamos e que frequentamos aquele mesmo lugar há anos. Se não temos outras opções inventaremos algumas, mas faremos isso não pelo prazer da mudança, mas, sim, pelo simples fato da escolha. Nós gostamos de fingir que a escolha é nossa, tanto para o amor quanto para a dor.

Falando em praia, lembrei-me do Alcides. Aos 65 anos, há pelo menos 20 ele pega sua família e vai a Capão da Canoa passar as férias. A mesma casa, o mesmo restaurante a quilo na esquina e o mesmo mar no qual ele raramente entra. Ao final das férias, no último dia de praia, ele dirá “ano que vem vamos veranear em outro lugar”. Mas, claro, ano que vem lá estará seu Alcides no mesmo lugar, naquele que ele pensa ser o seu lugar.

Nós nos acostumamos, pois acostumar-se é mais fácil do que mudar, agarramo-nos a algo, pois segurar parece mais seguro do que soltar. E assim incorporamos o defeito que acabará por se tornar uma qualidade. Alguém dirá “é um cabeça dura” e, lá no fundo, sentiremos quase que um orgulho disso.

Gostamos de sentir como se tivéssemos escolha, mas detestamos ter que mudar nossas escolhas. Preferimos o sofrimento que já conhecemos do que o risco de sofrimentos novos.

Por isso, ano que vem as mesmas milhares de pessoas voltarão a ficar presas em um trânsito caótico. A gente se acostuma ao que não deveria, porque aceitar é mais fácil do que mudar.

Nós tememos perceber o precioso tempo que perdemos insistindo em algo que não valia mais a pena.