Em crônica emocionante, moradora de Bento relata busca incansável por gatinho desaparecido

Estella Munhoz e seu namorado Guilherme Conci encontraram o Salsinha após quase um mês de muita angústia e persistência, o que inspirou a mestranda em Letras a eternizar a alegria de seu encontro em palavras

Fotos: arquivo pessoal

Crônica de verão

Estella M. B. Munhoz

Era dezembro e as férias de verão estavam implorando por uma volta na praia. Arrumamos as malas no Natal e, no dia seguinte, partimos em direção ao mar com o Sardinha e o Salsinha. Convivendo juntos há pouco mais de dois meses, os dois gatinhos eram inseparáveis.


Com todos a bordo, deixamos os gatos mais livres no carro, presos no cinto pela guia. As caixinhas de transporte ficaram ao lado. Vazias. Depois de alguns quilômetros de estrada, Salsinha fez xixi de tão nervoso. Era sua primeira – e última – viagem. Paramos no posto de gasolina, limpamos o banco, abrimos a porta, e Salsinha se desprendeu, correndo em direção ao mato atrás do local. Eu segurei a guia com todo o meu desespero, mas ele escapou do peitoral. Era o fim. O som dos carros fazia o chão tremer com a música alta e orquestrava a trilha sonora perfeita para aquele momento. Estávamos presos em um pesadelo.

Saímos em direção ao Salsinha. Mas que direção? A penumbra começava a tomar conta do mato. Um mato desconhecido, verde e escuro, que transformava as folhas em caveiras. Caveiras que vinham em nossa direção com o sopro do vento. O céu infinito olhava para baixo sem uma gota de piedade. Nós éramos minúsculos diante daquela natureza. O Salsinha era menor ainda: era a tal agulha no palheiro.

Ligações, choros, desespero, pedidos de ajuda, dor. A viagem, que nem começou, encerrou assim. Voltamos para casa sem conseguir enxergar porque o choro cortinava a visão. Era um vazio desolador. Nenhum sinal do Salsinha.

No dia seguinte, retornamos para o local em que nossos caminhos se separaram. Não estávamos sós: levamos panfletos com a foto dele para distribuir nas casas, lanternas, cobertas, protetor solar, ração, sachê, água. O dia queimava no calor, e a noite nos fazia tremer. Percorríamos em torno de 10 quilômetros por dia enquanto as lágrimas também caminhavam em nossos rostos. Dormíamos o suficiente para acordar exaustos. Atravessamos o mato inteiro, visitamos todas as casas da região, mapeamos o local, conversamos com todo mundo. Nenhum sinal. Era o fim.

Uma hora ele aparece e alguém avisa. Não adianta ir toda hora lá, vocês vão adoecer, diziam. Mas fomos. Por quinze dias consecutivos dirigimos 180 quilômetros indo e vindo em busca do ser de quatro patas. Mas nada. Acabaram as férias, a energia, a esperança. Eu vou rezar pra São Francisco, diziam. Muita gente ajudou. Já aconteceu comigo, apareceu depois de quatro meses, diziam. Então ainda era possível. Mas se chegou onde tem os cachorros, já deve tá morto, diziam também.


Depois, nossas visitas rarearam. A vida chamava a gente para a realidade de quem já precisava ter retornado do que deveriam ter sido as férias na praia. Mas os finais de semana eram inteiros dedicados à busca. Nessa busca, encontramos diversos gatos: vi teu gato aqui perto, diziam. Ele tá comendo aqui em casa, diziam. Tem um gato morto que pode ser ele, vou te mandar uma foto, escreviam. Nunca era ele. Teve um deles que até adotamos, mas o amado Paçoca não substituía o Salsinha. Passamos a virada do ano próximos aos bambus onde avisaram que o Salsinha supostamente estava escondido. Só que não era ele. Nunca era ele.

Vinte e seis dias depois, percorremos o mesmo mato no que seria nossa última busca. Diferente dos demais dias, era uma caminhada silenciosa e de resignação. A noite não nos assustava mais. Era hora do adeus. Tomara que ele esteja bem. Era o fim.

De longe, dois olhinhos amarelos brilharam com a luz da lanterna. Um peito branco e peludinho saiu dos arbustos: era o Salsinha. Era um milagre até para quem não é de milagres. Ergui o sachê, chamamos por ele. Ele veio e finalmente preencheu o vazio da caixa transportadora. Ligações, choros, alegrias: gritamos para todo mundo que o Salsinha havia voltado. Era o fim do pesadelo.

Agora, escrevo esse texto enquanto o observo repousar tranquilamente sobre a almofada. Minha mãe sempre diz que não há nada melhor do que estar em casa.


Nota da autora: este texto não teria um final feliz se não fossem os esforços e a ajuda imensurável de Guilherme Conci.