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Número de novas armas tem aumento superior a 200% em apenas três anos no RS

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Em entrevista ao SERRANOSSA, professor da UCS, advogado e capitão da Brigada Militar André Roberto Ruver reflete sobre as mudanças recentes no Estatuto do Desarmamento e opina: “se transformou em briga política”

Foto: Logan Weaver/Unsplash

Assim como em todo o Brasil, o número de novas armas na mão de cidadãos teve um aumento expressivo nos últimos anos no Rio Grande do Sul. De acordo com dados da Polícia Federal (PF), em 2018 foram registradas 5.355 novas armas. Em 2020, esse número saltou para 16.924 – um aumento de 216%. Até setembro deste ano, dado mais recente disponibilizado pela PF, o Estado já registrava 13.395 armas novas.

Além dos números recordes, o período em que eles foram registrados tem sido destacado por especialistas e por veículos de comunicação de todo o país: os aumentos passaram a ser percebidos após o início do governo Jair Bolsonaro. Desde sua eleição, o atual presidente da República publicou diversos decretos e portarias alterando a política de acesso a armas no país, que é regulada com base no Estatuto do Desarmamento, de 2003 – a flexibilização dessa legislação era uma de suas principais promessas de campanha. No início deste ano, em quatro novos decretos, foi ampliado de quatro para seis o número de armas de fogo que um cidadão comum pode adquirir; foi regulamentada a permissão expressa do porte simultâneo de até duas armas; foi flexibilizado o fornecimento de laudo psicológico por profissionais com registro no Conselho Nacional de Psicologia, não mais de psicólogos cadastrados na Polícia Federal; e foi autorizada a compra de insumos para recarga de até dois mil cartuchos nas armas de uso restrito e insumos para recarga de até cinco mil cartuchos nas de uso permitido para caçadores, atiradores e colecionadores (CACs), entre outras medidas.

Professor André Roberto Ruver. Foto: arquivo pessoal

Diante das mudanças no atual governo, o professor da UCS, advogado e capitão da RR da Brigada Militar do RS, André Roberto Ruver, analisa que, como ponto de partida para discussões sobre o assunto, deve-se ter em mente que a temática deveria ser uma questão politizada, “enquanto ato ou efeito que possibilite tornar alguém ou um grupo social capaz de reconhecer a importância do pensamento ou uma ação política, assim, capacitado para o exercício da cidadania”, explica. Mas, na verdade, acabou “se transformando em briga política”, lamenta. Para o professor, mais do que demonstrar um posicionamento favorável ou contrário à flexibilização da aquisição e/ou porte de armas, o espaço de fala “deve servir para indicar elementos e fundamentos que possibilitem ao cidadão construir uma postura consciente e crítica sobre o assunto”, argumenta.

Dessa forma, Ruver traça um panorama das mudanças da política de armas no país desde a criação do Estatuto do Desarmamento. Em 2005, os cidadãos foram às urnas para responder se eram favoráveis à proibição do comércio de armas de fogo e munição no país. Esse era um artigo previsto no Estatuto do Desarmamento, mas não foi aprovado pela população. A maioria dos eleitores votou “não” ao questionamento. Agora, na visão do professor, está havendo um “incremento” às discussões sobre flexibilizar, ou não, a aquisição de armas. Entretanto, o professor ressalta que os decretos já publicados modificando a legislação não se tratam de medidas que alteram o Estatuto do Desarmamento, “mas tão somente se mostram aptos a regulamentá-lo. Ou seja, em termos simples, o presidente da República não possui competência para aumentar o tamanho da lei”, explica.

Como exemplo, Ruver cita o decreto 10.030, de setembro de 2019, que aprova o regulamento de produtos controlados (depois alterado por novos decretos, ainda no mesmo ano). O professor destaca o poder da medida de “desburocratizar procedimentos” e “aumentar a clareza das normas que regem a posse e o porte de armas de fogo e a atividade dos colecionadores, atiradores e caçadores”.

Postura governamental

Apesar disso, quando questionado sobre os motivos que levaram ao aumento da aquisição de armas no país, Ruver avalia que há, sim, relação com o novo governo federal. “Assim como quando da entrada em vigor da Lei do Desarmamento, onde as pessoas entregaram suas armas, o mesmo fenômeno ocorreu com a troca de governo. Assim penso que a resposta é sim, há uma relação direta com a nova postura governamental”, comenta.

Atualmente, há uma série de projetos de lei no Congresso Nacional que propõem alterações no Estatuto do Desarmamento, “que, aliás, hoje deveria ser chamado de Estatuto do Armamento”, reflete o professor. “Em alguns momentos chegamos a ter mais de 180 propostas. Em agosto deste ano, por exemplo, o Senado Federal aprovou projeto de lei para proibir o acesso a armas de fogo para quem agrediu mulher, idoso ou criança”, recorda.
Questionado sobre sua opinião acerca da ampliação ou da restrição do acesso às armas pelos cidadãos, Ruver declara que prefere “buscar a harmonização do debate e assim também das próprias relações interpessoais e distensão de radicalismos, os quais mais tem prejudicado um ambiente político-social do que contribuído para uma necessária pacificação”.

Dados não precisos

Sobre dados que demonstram a maior ou menor segurança da população com o armamento, o professor argumenta que os estudos científicos se mostram “inseguros, ora apontando para um determinado lado, ora para outro”. Além disso, afirma que não há, nos estados brasileiros, uma metodologia única para a captação, configuração e constituição de dados. “Cada um dos entes federados, a seu gosto, determina o que seja um homicídio, ou não”, exemplifica. “No que diz respeito ao posicionamento de estudiosos do tema, como dito, as opiniões se dividem, em argumentos que dizem sobre o aumento de índices de casos com o uso de armas de fogo, acidentes com pessoas não hábeis, crianças, etc., do direito à defesa da vida, da propriedade e outros bens, dentre outros”, exemplifica.

Mesmo assim, reforça a informação que houve “um franco” aumento da apreensão de armas clandestinas, do tráfico, da importação e do comércio ilegal de armas nos últimos anos. “Aliás, a cada dia mais se constata a presença de calibres mais potentes e sofisticados, superando em boa parte, as armas utilizadas pelas próprias instituições policiais”, complementa.

Qual o melhor caminho?

Questionado sobre mudanças que seriam necessárias para garantir maior segurança da população, o professor ressalta a resposta do Referendo Popular em 2005, quando a população se mostrou contrária à proibição da venda de armas. “Temos que levar em conta o desejo da nossa cidadania, sob pena de o instituto ser absolutamente desacreditado, até em razão de ser uma forma direta de o cidadão participar e opinar”, comenta.

Para Ruver, a sociedade brasileira não vive hoje um de seus maiores problemas na questão de segurança pública. Mesmo assim, ressalta que os cidadãos estão passando por tempos “em que somos condicionados por uma sociedade de risco. O medo nos é parceiro, as incertezas nos trazem angústias. Assim, por vezes, temos mais perguntas do que respostas”, reflete. “No dizer de [Zygmunt] Bauman, vivemos o dilema entre segurança e liberdade, pois na medida em que mais pugno por uma delas, mais vilipendio ou negligencio a outra”, reflete.

Aquisição de armas

De modo geral, os cidadãos comuns podem adquirir armas de duas formas no país: para defesa pessoal e para a função de colecionador, atirador e caçador (CAC). No primeiro caso, a solicitação da autorização da aquisição deve ser feita diretamente com a Polícia Federal. Entre os requisitos está ter 25 anos ou mais, declarar a efetiva necessidade de possuir uma arma de fogo, não responder a inquérito ou processo judicial, comprovar aptidão psicológica e técnica e garantir um local seguro para armazenamento.

Já em relação aos CACs, a solicitação deve ser feita com o Exército Brasileiro, por meio do sistema sisgcorp.eb.mil.br. Para tanto, precisam ser apresentados documentos como certificado do IBAMA no caso dos caçadores; laudo psicológico; certidões negativas; declaração de idoneidade; atestado de um clube de tiro e comprovante de endereço. Também é preciso garantir a segurança do armamento. “A partir daí é emitido o ‘certificado de registro’, mas não necessariamente a pessoa precisa ter uma arma. Se quiser adquirir um armamento, aí é necessário entrar com um pedido de autorização para compra de arma”, esclarece o comandante do 6º Batalhão de Comunicações (6ºBCOM), coronel Alexandre Sales de Souza.

Comandante Sales, do 6ºBCOM. Foto: Eduarda Bucco

Ao receber a autorização para compra, os CACs podem se dirigir a uma loja e comprar o armamento autorizado. Após, é necessário entregar a nota fiscal da arma ao Exército para produção do Certificado de Registro de Arma de Fogo. “É o documento que atrela aquela arma à pessoa”, explica. Ainda, por se tratar da concessão de posse de arma, depois desse processo, é preciso solicitar uma “guia de tráfego”, na qual constará os endereços restritos por onde a arma poderá circular – loja de manutenção, locais de tiro e locais de caça, no caso de atiradores e caçadores. “Esse guia tem que estar com a pessoa toda vez que ela irá tirar a arma do seu acervo”, complementa o comandante.

O certificado de registro tem validade de 10 anos. Após esse prazo, é necessário entrar, novamente, com toda a documentação solicitada para renovação.

Atualmente, há uma média de 4.300 pessoas cadastradas como CACs na região atendida pelo 6ºBCOM, que abrange 22 municípios. Além dessas pessoas físicas, o Exército também é responsável pela concessão e fiscalização de produtos controlados para pessoas jurídicas (clubes de tiro, pedreiras, lojas de blindados, lojas de arma, etc). “É um número que vem aumentando por vários motivos. O acesso à informação e a divulgação é um deles. E o dono de uma loja, percebendo que está vendendo mais, acaba ampliando sua gama de produtos e oferecendo condições melhores de venda”, cita. O coronel também atrela o alto número de CACs à cultura da região. “A caça e a pesca são bem culturais aqui e os clubes de tiro têm aumentado bastante nos últimos anos. São bastante frequentados”, continua.

Em relação à fiscalização, o comandante ressalta que não estão previstas metas na legislação. Dessa forma, a cada ano é formulado um calendário interno no quartel. “De tempos em tempos vamos visitando essas pessoas físicas e jurídicas, com aviso prévio, para ver se realmente estão cumprindo as exigências”, afirma. Ainda segundo o coronel, o número de denúncias e de irregularidades é considerado pequeno em relação ao número de pessoas e empresas cadastradas. “Há uma responsabilidade dos cidadãos de que eles poderão responder por crimes se descumprirem a legislação, inclusive crime militar”, analisa.

Apesar do compromisso do Exército com a concessão e fiscalização, o comandante Sales ressalta a responsabilidade dos demais profissionais e entidades envolvidas no processo. “O Exército concede [o certificado de registro] baseado numa série de entes que vão dizer se aquela pessoa tem condições de ter uma arma. Dar um laudo psicológico e atestar a perícia de um atirador também possui grande importância, já que podem estar induzindo ao erro a autoridade que está concedendo o registro. E se algo acontecer, esses profissionais podem ser responsabilizados”, ressalta. “Também não cabe ao comandante ser mais concessivo ou mais restritivo. O Exército é uma instituição legalista e o comandante também. Estamos alinhados às leis vigentes”, finaliza.