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Os legados das surdolimpíadas para o país e região: “a sociedade abriu os olhos para a acessibilidade”

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Hospedados em Bento Gonçalves, membros e atletas da Confederação Brasileira de Desportos de Surdos (CBDS) contam ao SERRANOSSA os aprendizados que o evento internacional irá deixar para o Brasil e para a Serra Gaúcha

Na quinta-feira, 12/05, o atleta Romailson Santana se classificou para a semifinal do atletismo, nos 800m, que ocorre nesta sexta, 13/05. Foto: CBDS

No domingo, 15/05, Caxias do Sul e região se despedem da 24ª edição das Deaflympics – a primeira surdolimpíada realizada na América Latina. Mais do que medalhas e marcas importantes no cenário esportivo, o evento internacional deixará um verdadeiro legado de acessibilidade e visibilidade à comunidade surda do país. “Receber um evento desse porte pela primeira vez na América Latina já é uma marca muito grande. Mas as deaflympics também ajudarão nas articulações políticas e na visibilidade do esporte de surdos”, comenta a presidente da Confederação Brasileira de Desportos de Surdos (CBDS), Diana Kyosen.

Hospedados em Bento Gonçalves, os membros da CBDS estiveram conversando com o SERRANOSSA na última terça-feira, 10/05. Além de Diana, participaram da entrevista o surdoatleta Romailson Santana – uma das grandes apostas brasileiras –, seu técnico David Dias, e as intérpretes Bruna Terto e Larissa Matos.

Intérprete Bruna Terto, atleta Romailson Santana, presidente da CBDS Diana Kyosen, técnico David Dias, intérprete Larissa Matos e jornalista Juliana Reis. Foto: Eduarda Bucco

O Brasil foi eleito como sede da 24ª edição das surdolimpíadas em 2019 e, desde então, a CBDS vinha articulando uma série de ações para oferecer o suporte necessário aos atletas brasileiros. Para esta edição no Brasil, a confederação conseguiu o patrocínio das Loterias Caixa e do Governo Federal, contando ainda com parcerias para transporte com a Azul Linhas Aéreas e para a comunicação com a ICOM-Libras, que disponibilizou uma equipe de intérpretes para a delegação brasileira. “Isso é algo recente, que tivemos que lutar muito”, comenta Diana.

E essa falta de apoio do Poder Público e da própria sociedade trouxe complicações visíveis para o fomento do esporte entre a comunidade surda. Apesar de o Brasil estar participando das deaflympics com um número recorde de atletas – cerca de 200 – hoje [sexta-feira, 13/05] o país assume a 41ª colocação no quadro de medalhas: foram duas de bronze conquistadas no judô, pelos atletas Rômulo Crispim e Alexandre Fernandes, e duas de bronze na natação, com Guilherme Maia. “Não esperávamos a questão da pandemia, que acabou prejudicando o condicionamento físico, a parte emocional e psíquica dos atletas. Foram anos complicados. E também não tínhamos um centro de treinamento próprio. Foi recentemente que conseguimos um terreno que nos possibilitará realizar o sonho de ter esse centro, em Belo Horizonte, Minas Gerais. Então nossa expectativa para a próxima surdolimpíadas é muito maior”, comenta a presidente Diana, em relação ao desempenho dos atletas.

Mesmo com essas barreiras, a também ex-atleta surda comemora a marca histórica da delegação brasileira – 325 integrantes, sendo 199 atletas e 126 membros da comissão técnica. “Eu fico muito orgulhosa. Em eventos em outros países não é possível levar tantas pessoas assim pela questão dos custos. Isso trouxe um sentimento de pertencimento aos atletas brasileiros. E esperamos que o Governo Federal passe a reconhecer e apoiar mais essa causa”, ressalta Diana.

Delegação brasileira conta com 325 integrantes, sendo 199 atletas e 126 membros da comissão técnica. Foto: Sérgio Seiffert/Dot Brasil

Impacto social

Em Bento Gonçalves, mais de dez seleções estão hospedadas em diferentes hotéis da cidade. Todos os dias, grupos de atletas circulam por supermercados, farmácias e shoppings do município, esbarrando em um desafio com o qual já estão acostumados a lidar: a dificuldade de comunicação. Quem não está acostumada, na verdade, é a sociedade.
Essa barreira da comunicação despertou, em muitas pessoas, o desejo de fazer diferente e fazer a diferença. “As pessoas viram que os surdos existem e que a Língua Brasileira de Sinais existe. Percebemos que as pessoas têm pensando mais na falta de acessibilidade. A sociedade abriu os olhos para isso e temos certeza que Caxias e os municípios da região nunca mais serão os mesmos”, analisa Diana.

O secretário de Esportes e Desenvolvimento Social de Bento, Eduardo Virissimo, conta que os atletas vieram se hospedar e treinar no município com pouca estrutura disponível. “Quando ficamos sabendo, começamos a trabalhar para ajudar, para que pudéssemos dar uma condição agradável de treinamento, horários de quadras, locais e equipamentos. Foi muito bacana porque pudemos ter um intercâmbio muito bom. Ficou um legado de conhecimento”, comenta.

Mais de dez seleções estão hospedadas ou treinando em Bento Gonçalves. Foto: arquivo pessoal

Sobre a acessibilidade, Virissimo ressalta que a carência de intérpretes é um problema antigo, inclusive nas escolas. “Não porque não se quer contratar, mas porque não há pessoas interessadas em fazer esse tipo de capacitação. Mas as delegações vieram muito bem preparadas para isso e acredito que esse evento também ajudará a despertar o interesse das pessoas em buscar esse conhecimento”, complementa.

O técnico de atletismo David Dias pontua que a barreira da comunicação não está nos surdos, mas naqueles que não conseguem se comunicar com eles. “Não existe deficiência nos surdos, porque eles conseguem se comunicar. Eles têm uma língua própria. Se existe deficiência, ela está em mim. Sou eu quem tem que aprender libras. São os espaços que precisam se adaptar”, reflete.

A importância do esporte

A presidente da CBDS Diana Kyosen cresceu em uma família de surdos, que desde cedo passou a conduzi-la a associações e escolas bilíngues. Mesmo tendo poucos problemas em relação à surdez, buscou no esporte uma forma de se inserir na sociedade. Ex-atleta de futsal, Diana conheceu de perto os benefícios da prática no dia a dia dos surdos. Desde então, tem lutado pela valorização do esporte para esse público no cenário nacional.

Uma dessas lutas diz respeito à aprovação, na Câmara dos Deputados, do projeto de lei 150/2021, do parlamentar Marcelo Aro, o qual prevê a destinação de recursos das loterias e concursos de prognósticos (sorteios de números/apostas) para a CBDS. Também de autoria de Aro, em conjunto com o deputado Julio César Ribeiro, está em tramitação na Câmara de Deputados o projeto de lei 330/2020, que prevê a inclusão da modalidade surdolímpica no programa Bolsa Atleta do Governo Federal. Atualmente, os atletas surdos não recebem qualquer tipo de incentivo, tendo que, inclusive, pagar uma taxa para participar das surdolimpíadas. Em fevereiro, Diana esteve em Brasília pedindo apoio a diversos deputados e autoridades políticas para aprovação das proposições.

Foto: presidente da CBDS Diana Kyosen com a primeira dama Michelle Bolsonaro. Foto: Reprodução/Instagram

“Não precisamos de um olhar somente para os esportes olímpicos e paraolímpicos. Precisamos também de uma atenção aos surdolimpícos. Temos uma constituição que diz que somos todos iguais. Temos que quebrar as barreiras impostas”, comenta.

Foi por meio do esporte que o atleta Romailson Santana encontrou o seu espaço e a sua paixão. Após um período de desafios e episódios de bullying na escola, hoje ele afirma que se sente autoconfiante e feliz. “Eu comecei a praticar atletismo como uma brincadeira, para condicionamento físico, mas as pessoas foram me conhecendo e observando meu potencial”, recorda.

Apesar de acumular diversos títulos, essa é sua primeira participação em um campeonato internacional e voltado exclusivamente para atletas surdos. Da experiência, apenas elogios são elencados por Romailson. “Em campeonatos de ouvintes eu tinha que pedir para o árbitro levantar a mão na hora da largada. Isso me deixava muito ansioso. Na primeira disputa nas deaflympics eu vi a sinalização luminosa e fiquei muito contente. A questão visual é própria dos surdos, então isso me ajudou muito”, relata.

Romailson e o técnico David Dias. Foto: CBDS

O técnico de Romailson, David Dias, complementa que, em outras competições, devido à falta dos sinais luminosos, o atleta acaba sempre largando atrás dos outros competidores. “Aqui ele está saindo de igual para igual. A estrutura do SESI de Caxias é ótima e a organização também está excelente. Esperamos ter um grande resultado, porque é um trabalho de muitos anos que ele vem fazendo. Hoje está em quinto lugar no ranking mundial. É uma das nossas esperanças de medalhas para o Brasil. Um sonho que queremos que vire realidade”, torce. Na quinta-feira, 12/05, o atleta se classificou para a semifinal do atletismo, nos 800m, que ocorre nesta sexta, 13/05.

Emocionado, o atleta afirma que sua participação nas deaflympics, com certeza, trará ainda mais motivação para os próximos campeonatos que virão. “Eu pretendo nunca parar, nunca desistir. Eu amo demais o atletismo e agradeço demais o meu técnico por isso. Foi por meio dele que conseguir estar aqui hoje, representando o Brasil”, agradece. “Esse evento me mostrou ainda mais o quanto sou capaz. Me deu autoconfiança. E a perspectiva para agora em diante é nunca parar. Sempre lutar. O atletismo é a minha grande paixão”, declara.