Um entusiasta da própria história

O procurador aposentado Albino Ângelo Santarossa orgulha-se de sua trajetória, iniciada em Tuiuty, no interior de Bento Gonçalves. Atualmente residindo em Gramado, é um entusiasta da própria história e fala com orgulho dos lugares pelos quais passou e das amizades que cultivou ao longo das últimas décadas. Aos 85 anos, tem quatro livros publicados (“Lembranças de uma vivência”, “Minha Vida”, “Relato aos bento-gonçalvenses” e “Muitas vidas numa vida”), reunindo relatos, fotos e documentos que comprovam as passagens ali detalhadas. “Quem não reverencia o passado não justifica o presente”, argumenta.

Santarossa percorreu um caminho marcado pelo trabalho, pelo estudo e pela persistência. Em uma época em que estudar era um desafio, derrubou todas as barreiras, tornou-se um respeitado e influente procurador de Justiça no Rio de Janeiro. “Fui da roça, mas assimilei a finesse do mundo civilizado”, conta. Sua carreira no Judiciário iniciou como defensor público.  Foi promotor-substituto, promotor e, por fim, procurador de Justiça até sua aposentadoria, em 1990.

Conheceu papas e presidentes da república. Relacionou-se com personalidades esportivas, como Garrincha, e artísticas, como a viúva do maestro Heitor Villa-Lobos e a atriz alemã Elke Sommer. Foi cônsul do Internacional e diretor jurídico na época áurea do Botafogo. Deu duas vezes a volta ao mundo, e em cada lugar por onde passou cultivou amizades, o que lhe rendia constantes convites para viagens ao exterior – chegou a comemorar 12 natais seguidos em Nova York. “Eu conquistei esse espaço todo sendo uma pessoa simples, preservando todas as amizades. Criei uma família universal”, resume.


Conheceu os lugares mais distantes, as culturas mais incomuns, mas nunca se esqueceu da terra onde nasceu. Colocou-se do lado dos agricultores e se mostrou inflexível com a corrupção que levou a Cooperativa Vinícola Aurora, da qual seu pai, Giuseppe Santarossa, havia sido um dos fundadores, à falência. Defendeu o time de sua terra natal, o Esportivo e teve uma atuação decisiva na liberação da verba que financiou a construção da Fundação Educacional da Região dos Vinhedos (Fervi), a primeira instituição de ensino superior da história da cidade.

Dentre as passagens de sua vida das quais se orgulha e conta com entusiasmo, está o convite para a posse de Juscelino Kubitschek – de quem se tornou amigo – e a inauguração de Brasília. Também conta com carinho do convite que recebeu para a posse de Marco Aurélio Mello, que foi seu estagiário na Procuradoria de Justiça, como presidente do Supremo Tribunal Federal (STF). Quando atuou na 1ª Vara de Família, que atendia a elite do Rio de Janeiro, assinou o divórcio de personalidades como Tom Jobim e Nelson Gonçalves.

 De Tuiuty para o Rio de Janeiro

A casa em que Santarossa nasceu ainda está preservada em Tuiuty, próximo à vinícola Salton. “Se eu permanecesse em Tuiuty, estaria vendendo carne de vitela em Veríssimo de Matos”, brinca. Perdeu o pai cedo e entrou no Colégio Nossa Senhora Aparecida, em Bento Gonçalves, e, posteriormente, na Escola Santo Antônio, em Garibaldi. Ao completar 18 anos, para conciliar as aulas e o alistamento militar, foi estudar no Colégio Dom João Becker, em Porto Alegre (o único que funcionava à noite no Estado). Ao concluir o ginásio, fez curso de Contabilidade. No ambiente estudantil, envolveu-se em questões políticas e foi um dos fundadores da ala jovem do PTB. Após receber o diploma de contador, decidiu cursar Direito na Ufrgs, em 1955.

No ano seguinte, mudou-se de Porto Alegre para o Rio de Janeiro, a então capital federal, para trabalhar na Câmara dos Deputados, à convite do deputado federal Fernando Ferrari. Transferiu seus estudos para a Faculdade Nacional de Direito, onde se formou em outubro de 1959, junto com futuros políticos de expressão nacional, juízes e desembargadores. Santarossa orgulha-se dos cumprimentos de personalidades ilustres recebidos por ocasião da formatura: João Goulart, Leonel Brizola, Pinto de Godoy e Juscelino Kubitschek. Em 1960, passou no concurso e ingressou no Ministério Público como defensor público.


“Histórias mal contadas”

No livro que conta a história de sua vida, um dos capítulos (Histórias mal contadas) é dedicado a episódios envolvendo a cidade de Bento Gonçalves, das quais ele queixa-se da falta de reconhecimento, especialmente em relação à articulação política para a liberação de recursos para a construção da Fervi. A falta de reconhecimento, diz Santarossa, costuma acontecer com quem renuncia à promoção pessoal.

Em 1979, foi convidado pelo engenheiro João Pompermayer, antigo colega de ginásio, e pelo professor Loreno Dal Sasso, presidente da Fervi, para intervir na causa. O presidente Ernesto Geisel, nascido em Bento Gonçalves, havia doado o terreno, mas faltava a verba para a construção do empreendimento, orçado em 22 milhões de cruzeiros. A crise do petróleo dificultava a liberação dos recursos por parte do governo federal. Com a tentativa fracassada dos deputados federais Paulo Mincarone e Darcy Pozza, a saída foi recorrer a Santarossa. Em um primeiro momento, ele negou, para não gerar ciúmes ou animosidade entre os políticos. Com a insistência, e pensando nas dificuldades que teve para concluir os estudos, aceitou.

Ele procurou então o ex vice-presidente da república e seu amigo, Adalberto Pereira dos Santos, solicitando ajuda para falar com o Ministro da Fazenda e do Planejamento, Delfim Neto. Ao conseguir a liberação dos recursos, não quis qualquer recompensa pelo serviço, apenas uma carta de agradecimento, o que, segundo ele, é a prova de seu empenho e vale mais do que uma placa. Um dos fatos que o entristeceu, foi não ter sido convidado para a inauguração e o episódio ter sido usado para fins eleitorais. Como forma de reverter as notícias consideradas falsas por ele, imprimiu sete mil cópias da carta de Dal Sasso e distribuiu-as na porta das principais igrejas de Bento Gonçalves.


O procurador aposentado também gosta de relembrar da ajuda que deu ao Esportivo, para que subisse à primeira divisão do Campeonato Gaúcho, em 1970. Na época, o então vice-presidente do clube, Darcy Pozza, lhe escreveu pedindo ajuda. Após perder o primeiro jogo, o Avenida não compareceu à partida seguinte da final da Segunda Divisão do Campeonato Gaúcho e entrou com pedido de anulação do primeiro jogo. O caso foi parar no Supremo Tribunal de Justiça Desportiva (STJD) e, segundo Santarrossa, sua defesa acabou sendo decisiva para a vitória do Esportivo nos tribunais. O episódio acabou rendendo frutos para Pozza, que ganhou prestígio e impulsionou sua carreira política, como prefeito e deputado. Santarossa apenas lamenta que a relação dele com o clube arrefeceu com os anos, a ponto de seu nome não constar na lista de inauguração do novo estádio. 

 

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