Viver é estar em crise

Se você parar para pensar agora no que mais o aflige atualmente, qual seria sua resposta? Pois é. Parece que sempre temos algo a nos incomodar, um desconforto por vezes até injustificado. Tem dias que nada dá errado e, ainda assim, algo incomoda. Mas o que será?
Não saber angustia. Se sentimos que há algo errado e não sabemos o que, nos sentimos ainda mais angustiados. A inquietude é o indesejado abraço das ansiedades que parecem injustificadas. Bem, parecem, mas não são.

Questiono-me se a ansiedade é uma doença. É? E a tristeza? E os medos são distintos tipos de doença ou todos pertencem a uma mesma? Medo de perder o emprego, medo de escuro, medo de se envolver. Medos nos descreveriam como doentes? E estar apaixonado, tropeçando por tudo, derrubando coisas enquanto pensa no outro? É doença estar apaixonado? Para os gregos da antiguidade, sim. Tanto, que definiram a palavra paixão como “phatos”, patologia, doença.

Todos nós somos doentes, segundo as novas definições do homem moderno. Mas qual a vantagem de tratar doenças que, na verdade, nos designam como humanos? Pense se a mãe de Beethoven o tivesse enchido de medicamentos para conter sua hiperatividade. Imaginem se o pai de Einstein o tivesse julgado como um mero depressivo e o mantido à base de calmantes. Pensem quanta genialidade teríamos perdido se aos pensadores de antigamente alguém tivesse atribuído sintomas de demência.


Talvez você não seja um grande gênio, um revolucionário, mas isso lhe tira o direito da tristeza, da angústia e dos medos? Dizem que você parece triste, mas, e daí? Você lê sobre a tal da depressão, mas e daí? Quando, afinal, é hora da tarja preta? Quando um “especialista” lhe disser? Mas como um especialista pode ser um especialista sobre você, sobre sua vida e sobre a forma como você sente as coisas?

Ok, somos feitos aos milhões na fábrica de produção da vida, mas será que todos nós somos idênticos? A forma como eu lido com um problema é igual à forma como você lida? Como poderia? Isso significaria que todos sentimos da mesma forma. Não, não creio que seja a natureza tão meticulosa nas cargas que distribui a cada ser humano. Há, de fato, algo diferente em cada um de nós e isso por si já demonstra que um tratamento para as massas também se torna extremamente nocivo para grande parte delas.

As pessoas dizem e você lê por toda parte que há tratamento para o que você está sentindo agora, neste exato momento. Mas, afinal, qual o problema de sentir? Qual o problema de estar angustiado ou triste? Nós somos e sempre fomos seres em crise. Foi isso que nos levou a subir as montanhas mais altas, a enfrentar as florestas mais densas e a construir naves que hoje rondam pelo espaço. A base da criação humana é a insatisfação quanto ao não entendimento de sua humanidade.

Você não é diferente dos maiores gênios quando se trata de solidão, de medo, de angústia e de ansiedades. Você é tão inquieto quanto os maiores poetas, tão agoniado quanto os mais incríveis pintores, tão triste quanto era o próprio Shakespeare. Não igual, mas tão mais potente em sentimentos quanto aqueles que, de alguma forma, conseguiram expressar a bomba-relógio emocional que carregavam.

Você é um ser em crise constante. Você é aquele que, ao se livrar de um problema, encontrará outro. Você é mais do que imperfeito: é parte de uma espécie que somente se distingue de outras justamente pelas aflições.


Então, talvez você não precise de autoajuda, de autoestima ou de remédios. Talvez você só precise perceber que ser feliz o tempo todo é coisa de golfinho. Ser humano bom é ser humano em crise.